I
Nove de novembro de 1902
Tábata e sua família já tinham se instalado havia dois meses naquela pequena vila. Tábata, uma bela negra de trinta e três anos, acompanhada do marido Raimundo, um antigo escravo de uma fazenda, junto com o filho José, de dez anos, hospedaram-se em uma pequena casinha alaranjada, no fim da vila. Os três não eram bem vindos na vila, colonizada por alemães, onde só se encontravam raparigas da pele pálida, cabelos louros e olhos azuis, como um céu sem nuvens; os homens também não eram diferentes, homens grandes e fortes, com barbas e cabelos ruivos, que gostavam de beber cerveja e comer linguiça. Tábata apenas se mudará à vila, por causa de sua amada patroazinha, Maria, neta de uma rica senhora, dona Lilian. Tábata realmente gostava da patroa Lilian, ela nunca teve nada contra a cor de sua pele ou a do marido, e sempre dava doces e brinquedos no aniversário de José, que amava como um outro neto, mas que não permitia que chegasse perto da casa onde ela e Maria ficavam. Era realmente uma senhora misteriosa, havia mudado para a sua mansão de campo, com o objetivo de dar novos ares à neta e reencontrar parentes que moravam na vila.
Raimundo era um marido muito leal e um bom pai, já que não conseguirá nenhum emprego na vila, continuava na antiga fazenda onde era escravo e onde começava a receber algum dinheirinho que mandava à família. Tábata recebia o dinheiro de boa vontade, sempre receberá salário na casa de dona Lilian, trabalhava desde os quinze anos com ela, e sabia pouco dos detalhes sobre o caso de Erika, única filha de Lilian e mãe de Maria, a belíssima moça já morrerá, já fazia três anos.
- Mamãe, só consegui comprar três pão - José rompeu a sala, onde a mãe o esperava.
- Três pães, moleque. O que aconteceu? Te dei dinheiro o suficiente para comprar nove! - Tábata pôs as mãos no quadril.
- O seu Antônio disse que com o dinheiro só dava pra comprar três e sem trocado.
- Oras, mas o seu Antônio deve ter passado a perna em você novamente, menino tolo, da próxima vez eu vou com você.
Tábata não quis discutir mais o assunto, porque já estava atrasada para o serviço. Seu Antônio tinha asco deles, uma vez ou outra passava a perna no filho, dando trocados a menos, dando pão a menos e até alguns puxões de orelhas.
Nessa manhã José iria acompanha-la até a mansão da senhora, estava levando uma roupa de Maria, que teve o prazer de faze-lo e o filho levava os pães que era para o café da senhora. Lilian com certeza não iria gostar que José ficasse perto de sua casa, não era por maldade, mas a velha senhora tinha medo da neta e do menino se encontrarem, não queria que a menina fizesse laços muito estreitos, ainda mais que, com quinze anos Maria iria ao um convento. Tábata também sabia que a velha só não queria que, se por um acaso, Maria se apaixonasse por um rapaz e acabasse provocando os mesmos erros que Erika. A moça fugirá de casa com apenas quinze anos...
- Segure esse pacote direito, Zé! - Tábata repreendeu o menino, que se embaralhava com o pacote de pães.
Entraram no território de Lilian, antes de chegarem na mansão atravessavam enormes árvores que faziam um arco esverdeado e refrescante sob o caminho ladrilhado de paralelepípedos. Poucos raios solares conseguiam atravessar aquele denso arvoredo.
José segurava com todo o cuidado do mundo aqueles pãezinhos que iriam alimentar as patroas da mãe, olhava a todo o instante para o vestidinho que a mãe carregava com um exagerado zelo e pensava para quem seria aquele delicado material. Era um belo vestido azul-bebê, com uma fitinha branca que servia para amarrar na cintura. Seria para alguma fada? Ou então para alguma princesa? A mãe falava superficialmente da mocinha que cuidava e vivia trancafiada na mansão, aquele vestido deveria ser para ela. Pelo tamanho e delicadeza do vestido, a menina com certeza deveria ser algum anjo, como todas as moças da vila, mas não seria um daqueles anjos malvados, que não deixavam ele entrar nas brincadeiras. Seria um anjo bondoso, que estenderia a mão a ele, brincaria com ele e correria nos campos esverdeados com o vestido azulado, esvoaçando, em meio dos risos. José sentiu algo coçar, louco de vontade de conhecer Maria, o menino venerava esse belo nome, em seu aniversário recebia os docinhos e brinquedos em nome da avó e de Maria. Ela era realmente um anjo.
E como seria Lilian? O garoto tinha medo daquela senhora, que não o deixava chegar perto nem da mansão, nem da neta. A mulher que raptava sua mãe, sua única companhia, durante preciosas horas do dia. Será que Lilian era uma bruxa que mantinha Maria trancafiada? Mas a mãe falava tão bem da patroa...
José seguia a mãe, acompanhado desses pensamentos confusos. Tinham chegado na enorme mansão, com certeza mais de vinte de sua casa caberiam naquele lugar. Era elegante, assustadoramente grande e imponente.
- Venha aqui atrás, a gente vai pra cozinha! - a mãe sussurrou, já contornando a casa.
- Hã... - José arregalou os olhos quando avistou o pequenino contorno na janela. Era o perfil de uma menina, provavelmente por volta dos oito ou nove anos, os cabelos dourados estavam cortados até os ombros, onde cachos acastanhados se formavam, a pele era tão pálida e delicada, como a mais bela rosa branca, e as finas mãos seguravam um volume grosso de capa dura.
A menina virou o rosto, cruzando os olhares com José, que viu os mais tristes e doentes olhos azuis. José, desesperado, olhou em volta a procura da mãe, ela não estava mais lá, ele tinha que ter acompanhado-o, arrependeu-se por ser tão desligado.
As duas crianças ficaram um momento encarnado-se, a garota foi a que fez o primeiro movimento. Com muito esforço abriu a janela, deixando o vento balançar seus cabelos.
- Ei, garoto, venha aqui - a menina soltou um grito rouco, chamando José.
José sentiu um tremor. Era uma pessoa branca, tinha que obedecer, o pai sempre dizia que os homens brancos eram superiores; a mãe ficava irritada, dizia que José não deveria obedecer a ninguém, apenas aos pai, para ser um garoto educado e direito. Mas ele precisava aproximar-se daquele garotinha miúda e com gestos de adoentada. Foi em direção a janela aberta, a menina abaixou o tronco e sorriu zombeteiramente, José sentiu-se humilhado.
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