quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Rosa Negra - capítulo II

     II

   Maria levantou-se no mesmo horário de sempre. Os pássaros já cantavam alto e a luz da manhã inundava o elegante quarto da menina. A pequena abriu os pequenos olhos da cor de um belo céu azul e límpido de verão, os cabelos cor do sol estavam bagunçados no travesseiro de penas e a pele era da cor das brancas e fofas nuvens que enfeitam o céu. Maria calçou a pequena chinela e sentou na penteadeira, que um dia pertencera a sua mãe. Olhou seu rosto doente e inexpressivo, sua face era fina e sem cor, os lábios brancos e ressecados e o corpo magrelo e fraco. Maria desembaraçava os finos cabelos enquanto se lembrava da época que tinha apenas cinco anos, as imagens eram confusas e embaralhadas, mas lembrava-se da mãe, sentia falta daquela moça que a avó tanto odiava e desejava apaga-la de sua vida. Uma lágrima fria e solitária escorreu pelo rosto pálido da garota.
    Foi em direção as escadas de carvalho sólido, descia escutando a movimentação da cozinha e os leves ruídos que viam da sala de jantar, onde sua avó se encontrava. Tinha que ter horários tão rígidos, a alimentação tão rígida, a educação tão rígida. Gostaria de, um dia, correr descalça pela casa, rindo e gritando, devorar doces e mais doces, visitar a vila, correr no campo verde, cantar mais alto que os pássarinhos e viver as aventuras emocionantes de seus livros. Livros... eram seu único consolo, já tinha vivido tantas aventuras sem sair de casa, com oito anos já tinha lido romances complicados, mas sentia um vazio. Como se algo faltasse para completa-lá.
    Dirigiu-se à sala de jantar para encontrar a mulher mais elegante do vilarejo. Ao contrário das outras "vovós", que eram gordinhas, a coluna inclinada e distribuíam comidas gostosas e brincadeiras, sua avó tinha o perfil e jeito de rainha. Altura mediana, coluna ereta, corpo elegante, cabelos curtos e acinzentados e os olhos azul-celestes, típicos dos descendentes alemães.
     A mesa estava composta de frutas e mais frutas e mingau. A avó retirou os óculos, que usava para ler o jornal, e fuzilou a neta com seus olhos brilhantes e rígidos:
     - Sente-se e coma seu mingau! - seu tom era ríspido, o que fazia Maria sentir calafrios no corpo todo.
     - Não tenho fome vovó - sua voz não passava de um sussurro, enquanto encarava a massa branca e grudenta que era a refeição matinal.
     - Pelo menos coma umas frutas, menina. Está tão magra e desnutrida que pode desmaiar a qualquer momento.
     Maria sentou-se, enquanto encarava os vários pratos de frutas: bananas, laranjas, uvas, maças, jabuticabas. Gostaria de, pelo menos uma vez, poder saborear com a avó uma imensa torta de morango com chocolate que Tábata fizera escondida no seu aniversário de sete anos. Foi um dos momentos mais felizes de sua vida quando colocou na boca a colher inundada de chocolate com pedacinhos de morango.
    A menina continuava encarando as frutas, esperando Tábata chegar, pedira para ela fazer um vestido parecido com a ilustração de Alice no País das Maravilhas.
    - Eu vou na janela - ela se levantou, recolhendo uma das enormes e vermelhas maças.
    - Invés de passar tanto tempo enfiada nos livros, podia começar a ajudar na casa. - a avó comentou, secamente.
    Um nó formou-se na garganta de Maria, já tentara ajudar muitas vezes, seja lavando louça, esfregando o chão ou até arrumando sua cama, mas não tinha dado certo, sempre quando fazia uma dessas coisas seu coração disparava, ela perdia o controle do próprio corpo e logo o desmaio ocorria. A avó sempre comentava que era falta de prática ou então pela sua péssima alimentação. Isso fazia Maria se sentir mais inútil e indesejada por parte da avó, já que todas as criadas a amavam. Estavam sempre dando chocolates escondidos, fazendo bonecas e vestidos e trançando seu cabelos, diziam que era uma garota muito educada e que dava pouquíssimo trabalho.
   Pegou o livro que estava lendo: Razão e Sensibilidade, de Jane Austen. Imaginava quando seria sua vez de viver um romance daquele estilo, ele iria brincar de boneca com ela, dividir um doce e correr  em uma campina enorme e cheia de flores.
   Sentou-se no lugar de costume, a janela tinha um peitoril do tamanho exato de Maria, com uma almofadinha vermelha em cima, a sombra de um jequitibá protegia o rosto da menina dos raios quente do sol.
   Estava concentrada na leitura, quando escutou passos aproximando-se da mansão, visualizou Tábata com seu vestido azul contornando a casa, do lado oposto onde estava, segurando o vestido, junto com um menino alto e forte que encarava Maria fixamente, cheio de curiosidade. Ele devia ter entre 10 anos, a pele cor de azeviche e os cabelos ralos e olhos eram negros e infantis. Maria ficou curiosa, com esforço conseguiu levantar a janela e gritou:
   - Ei garoto, venha aqui!
   O menino se sobressaltou e foi, tremendo e vacilando, enquanto encarava os sapatos velhos. Maria riu alto, pois um garoto tão forte, que poderia quebra-la no meio, estava vacilando como um cachorrinho. O menino corou intensamente ao escutar a risada alta da estranha, sentia-se mais humilhado e inferior.

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