domingo, 9 de dezembro de 2012

Rosa Negra - capítulo III

      III

      Quando o menino chegou, Maria já foi o fuzilando com uma série de perguntas:
      - Qual é o seu nome? - ela perguntou, com o nariz empinado.
      - É... José - o menino apertava a camiseta com força, não despregando os olhos do chão.
      - Humm... quanto ano você tem, José?
      - Dez.
      - O que está fazendo aqui?
      - Estou acompanhando minha mãe - ele levantou os olhos por alguns segundo, para encarar os belos olhos da estranha - Trouxe o pão.
      - Pão? - Maria sentiu a boca se encher de saliva, nunca tinha experimentado aquela massa fresquinha e crocante - Para quem?
      - Eu... eu não sei. Só recebi ordens de minha mãe para compra-lo.
      Maria colocou os dedos nos lábios e levantou os olhos, pensando.
     - Mas aqui ninguém come pão - ela volveu os olhos para o outro - Você dever ter se enganado, garotinho.
     José continuou em silencio, mordendo os lábios.
     - Então você é filho de Tábata? - ela recomeçou.
     - Sim...
     Maria lembrou-se do menino que Tábata falava superficialmente, dizia que ele era forte, bom garoto, mas tinha poucos amigos e seu maior sonho era trabalhar na fazenda onde o pai estava. Tábata falava rindo e revirando os olhos, enquanto costurava um vestido, mas seus olhos eram um misto de paixão e orgulho.
     - Você tem poucos amigos?
     José sentiu como se estivesse levado um soco. Quem aquela menina pensava que era, para se meter em sua vida? Só porque era rica pensava que tinha o direito de fazer qualquer pergunta? Zomba-lo? Com uma ligeira rouquidão respondeu, agora, encarando intensamente os olhos da outra:
     - Por que você quer saber disso?
     - Não sei, Tábata um dia comentou - a menina enrugou a testa - Ou talvez porque eu também não tenha, e queira saber se mais alguém compartilha dessa mesma infelicidade - ela lançou um sorriso sincero e amigo.
    José ficou boquiaberto, finalmente visualizou na menina o anjo que imaginará, mas era um anjo com um sorriso tão infeliz e a expressão tão abatida, sentiu vontade de abraça-la e consola-la.
    - Mas... - ele gaguejou e abaixou os olhos novamente, apertando a embalagem onde estava os pães.
    - Humm... - ela franziu o nariz - Que cheirinho gostoso.
    - Dever ser do pão. Você quer?
    - Quero, espere um pouquinho - ela apontou para o jequitibá - Espere aí em baixo da árvore.
    José encaminhou-se ao jequitibá, enquanto a outra sumia em uma onda loira esvoaçante. Será que essa era Maria, a anjinha, prisioneira da mansão? Sempre achou que essas meninas mais ricas fossem gordinhas, com os rostos corados e que tinham as bochechas doloridas de tanto sorrirem. Ela era diferente, tão magrinha e com um olhar tão triste e solitário. Sentou no gramado, encostando as costas no grosso tronco.
     Maria corria em direção à cozinha, tentando fazer o mínimo barulho possível. As criadas não estavam lá, com certeza estavam no segundo andar arrumando os quartos. Correu em direção da despensa, onde tinha descoberto uma grande provisão de manteiga, geléias, tortas e outros doces calóricos, que sua avó tinha a proibido de comer. Já estava saindo com um pouco de manteiga e geléia, quando escutou um barulho alto vindo da cozinha.
     - José! José! - era Tábata, soltando um grito rouco da janela da cozinha. José não iria escutar, já que a mansão era grande e a árvore onde o menino ficará ficava a muitos passos onde estavam - Mas onde está esse moleque! - ela colocou cuidadosamente o vestido em cima da mesa e saiu em direção onde tinha vindo.
     Maria segurou a manteiga e a geléia com força e saiu correndo.  Mesmo que tivesse um preparo físico ruim, era leve, então chegou com uma grande diferença, na janela onde estava.
     - Ei, José! - ela gritou, despertando o cochilo do menino, debaixo daquela sombra fresca - Me ajuda aqui.
     Ela já tinha colocado metade do tronco para fora da janela. José, apreensivo, ajudou-a a descer, sentiu o corpo tão delicadinho debaixo daquele monte de tecido e renda, as costelas bem  promenientes e a respiração ofegante. Desejou poder ajuda-lá de alguma forma.
    - Vamos - ela já tinha jogado os potes com manteiga e geléia dentro da sacola de pães e agarrado sua mão - Sua mãe tá vindo.
     José mordeu os lábios. Maria já puxava ele com força pela mão e os dois saíram correndo, afastando-se cada vez mais da mansão e dos gritos de Tábata.

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