segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Partida (parte 2)



   -Lu... -Letícia pronunciou o apelido da irmã com extrema dificuldade. Apenas esse sopro, essa delicada sílaba que a garota mais usou durante a vida, provocou um cansaço na doente. Ela começou a arfar, o peito subia para cima e para baixo e os aparelhos começaram a apitar mais alto.
   Sentiu vontade de chorar e um suor gelado começou a escorrer pela face. A mulher se aproximou de sua cama e a encarou com arrogância. Letícia não se aguentava, precisava falar algo, tentou falar, os lábios apenas tremiam e o coração batia mais rápido.
   A mulher colocou a mão em uma de suas bochechas. Letícia, que estava tremendo, relaxou com o toque macio da mulher. A expressão arrogante foi substituída por um sorrisinho forçado e ao mesmo tempo cheio de humildade.
   -Sinto muito... - ela sussurrou e se afastou. Saiu do quarto com pressa.
   Letícia voltou a ficar sozinha. O coração se estabilizou um pouco e ela até sentiu um pouco de calor. Virou o rosto para a irmã. Era tão linda. Tinha 16 anos, dona dos longos cabelos loiros e dos belos olhos verdes. Sempre tão meiga, era ela que fazia as duas tranças que sempre a acompanhava na escola. Arfou um pouco, segurando o choro, Luna estava apenas descansando, não tinha ido embora. Tentou o máximo possível não piscar, senão lá estaria a amostra de seu sofrimento. Não, Luna não estava morta.
  Mais alguns minutos se passaram e quatro pessoas, entre elas a mulher, entraram correndo no quartinho. Os outros três desconhecidos, eram uma mulher ruiva, um homem um pouco mais velho com cabelos ralos acastanhados e uma pequena menina com os cabelos na altura dos ombros cor de bronze. Sua mãe, seu pai e a pequena Lara. Tentou esboçar um sorriso, a presença da irmã mais nova realmente a confortava. Trazia apenas um pequeno curativo na face esquerda, enquanto segurava a mão do pai e olhava tudo com curiosidade. Lara tinha apenas 6 anos, pequenina como ela própria, os membros curtos e redondinhos e enormes olhos cor-de-mel.
  A mãe começou a soluçar alto e se jogou na cama da filha mais velha, o pai mantinha o rosto escondido pela mão e se aproximou dela, passou mão pela sua testa e fez um carinho atrás da orelha.
  -Vai dar tudo certo... - ele sussurrou e ergueu sua mão para beija-lá. Afastou-se, para a filha não ver suas lágrimas.
  -Oi Lê! - Lara a cumprimentou, jogando um livro na cama. Pôs as mãos no quadril e deu um sorrisinho teimoso -Você ficou muito tempo fora -a garotinha sentou na cama, ao seu lado e começou a folhear as páginas coloridas.
  -Por que Lu? Por que?... - os soluços da mãe aumentaram. Letícia estremeceu e sentiu mais náuseas.
 Algo começou a subir pela garganta e logo a saliva estava escorrendo descontroladamente. Os músculos estavam rígidos e pesados. A mãe voltou os olhos para ela e começou a soluçar mais, enquanto passava a mãos em sua testa. Por fim, Letícia abriu um sorriso, não conseguia mais manter os olhos abertos. 
  O mundo começou a girar, a mãe, o pai e a mulher estranha desapareceram, restando apenas ela, a pequena Lara, que parará de folhear o livro e a observava com medo e o corpo de Luna, Letícia continuava deitada, morrendo de dor e o espaço onde agora se encontrava predominava os mais variados tipos de azul. De repente a cama desapareceu, junto com a forte dor e lá estava ela com o uniforme branco e azul-claro da escola, com as duas tranças ao lado, Lara estava mais atrás com a mão estendida para ela, os lábios se mexiam mais não saía nenhum som. O corpo de Luna flutuava mais adiante, a garota abriu os belos olhos verdes, sentou-se no ar e se espreguiçou como se nada tivesse ocorrido. Estava, também, com o uniforme do colégio e os cabelos loiros dançavam no ar. Ela estendeu as mãos e pronunciou uma súplica:
  - Venha Lê...
  Ela seguiu um pouco mais a frente e virou como num solavanco, os belos olhos da cor da mata traziam lágrimas de dor e o rosto era uma máscara de desespero. Letícia sentiu o impulso de correr e consolar a adorada irmã, mas os pés estavam grudados no chão e, por fim, escutou a voz desesperada de sua irmã mais nova gritando seu nome.

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